segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A Apologia de Sócrates (IV) - As palavras de Sócrates (II)

A assembleia ouve as palavras de Sócrates. Elas parecem ainda pouco significativas para os seus juízes. A sabedoria identificada como ignorância, a importância de uma cidade revelada em aspectos menores dificulta a defesa de Sócrates. Ele continua. Importa ouvir as suas palavras, pois são um manifesto para o futuro, para a filosofia e para a cultura, como forma de escrito. Oiçamo-lo, pois!

A alma, como fonte de toda a vida, ensina-nos que tudo o que dá vida é bom e tudo o que mata é mau. Tudo  o que tem uma alma é bom e sobreviverá: tudo o que carece de uma alma é inútil e não pode sobreviver. A vida animada é inesquecível; a vida sem espírito merece o olvido. O melhor é verdadeiro e permanecerá, mas o que acaba por se revelar uma mentira desaparecerá como a neve debaixo do sol. Deste modo, a experiência é dedicada à demanda da verdade e à prática da virtude. Amar a sabedoria humana não é mais do que fazer repetidamente estas distinções e escolher a verdade incondicionalmente.

Há muito tempo escolhi ser fiel à demanda da verdade. Preferia sofrer a injustiça do que cometê-la. Preferia morrer do que empenhar-me na mentira. Porque a alma não tolera a injustiça nem as mentiras. Quer viver em verdade ou então morre, e a minha vida estaria terminada mesmo que ainda existisse.

Portanto, se todos vós, senhores do júri, agora me disserem: Sócrates, vamos absolver-te, mas só com uma condição, a que desistas de passar o teu tempo nessa demanda e deixes de filosofar. Se te apanharmos a seguir pelo mesmo caminho, serás condenado à morte. Bem, supondo, como disse, que propunham absolver-me nessas condições, eu responderia, senhores, sou o vosso grato e dedicado servo, mas devo obediência maior a Deus do que a vós, e enquanto conseguir respirar e dispuser das minhas faculdades, nunca deixarei de praticar a Filosofia de vos  exortar e de esclarecer a verdade a todos os que encontrar.

Continuarei a dizer, na minha maneira habitual: meu bom amigo, tu és um ateniense e pertences a uma cidade que é a maior e a mais famosa do mundo pela sua sabedoria e pela sua força. Não te envergonhes de dares atenção à aquisição do máximo de dinheiro possível, e de fazeres o mesmo com a reputação e a honra, e de não dares atenção ou consideração à verdade e ao entendimento e à perfeição da tua alma?

Luís Campos (Biblioteca)

Sem comentários:

Enviar um comentário