quarta-feira, 14 de junho de 2017

Um ponto intermédio

“A  linguagem é o ponto de partida para nós podermos comunicar aquilo que veio ter connosco, por um lado, e por outro lado, aquilo que nós não conseguimos absorver.” (1)

Este blogue "Do mistério das coisas" tentou ser um espaço de articulação entre a área temática da Filosofia e uma Biblioteca Escolar. Nele se tentou abrir um espaço de reflexão sobre algumas das questões essenciais que dizem respeito ao homem e à vida, ao mundo, ao mistério das coisas e dos seres que habitam este planeta. 

Este blogue procurou ser um espaço de partilha de recursos, de motivação à escrita de textos / comentários sobre diferentes temáticas. No fundo procurou tentar dar um contributo, para que dos textos, do conhecimento se possa progredir para um saber fazer que é também uma forma de aprendizagem da vida. 

Temáticas como Os Direitos Humanos, textos e pensamentos sobre a Liberdade, a Ética, a Política, a Arte, ou a representação foram áreas publicadas. Publicaram-se textos e materiais a partir da exploração de aplicações digitais. O Blogue funcionou entre outubro de 2015 e julho de 2017. Publicaram-se 150 textos / materiais, dos quais vinte e nove foram produzidos pelos alunos.

Neste projeto procurou-se abordar as áreas de exploração das temáticas ligadas a uma atitude construtiva que se relacionavam com a vida e o homem. Algumas vezes foi possível discutir o valor e a importância das Humanidades e trazer o real, o quotidiano para uma análise filosófica dessas questões. A linguagem é a nossa forma de nomear as coisas, de lhe dar em sentido  em nós, o que significa atribuir significado ao mundo 

Chamamos a este último post, "um ponto intermédio", na esperança que a próxima equipa da Biblioteca possa conduzir esta ideia / projeto que nos pareceu interessante e importante para os alunos.
Aos que nos visitaram e sobretudo aos professores e alunos que colaboraram neste espaço digital, um muito obrigado. Desejo a todos felicidades para os dias a seguir, como disse Sophia, para algo de belo e de substantivamente justo.

(1) Maria Gabriela LLansol. Paris, Sorbonne, 24 de Outubro de 1988, Les Belles Etrangères
Imagem: Fídias, Métopa do Pártenon, 447-432 a.C. Londres, Museu Britânico

A representação do belo - [II]


Quando pensamos em belo sabemos que nele, como tudo o que envolve a vida humana é relativa aos tempos sociais e culturais. O que hoje achamos belo amanhã muda de sentido, pois os códigos de beleza alteram-se. E, no entanto ao olharmos para a Vénus de Milo, ou o Discóbolo de Mirone, expressões de séculos encontramos ainda ali um ideal de belo, uma representação que achamos bonito, tal como o podemos ver num quadro de Vermeer ou numa natureza de Monet. Encontramos aí uma representação substantiva de belo, ainda que saibamos que essa aquisição do belo se fez pelos valores sensoriais, algo a que acedemos de uma forma diversa quando tentamos definir o Bem ou a Verdade.

Quando falamos do belo como experiência sensorial perguntamo-nos como essa aquisição se faz em cada um de nós. É pela educação, ou apenas por algo que cada um de nós pode ou não ter incentivado como uma procura. As crianças são um exemplo muito significativo, dessa forma de encontrar um modo de comunicação, como se essa observação fosse um diálogo entre nós e a arte, ou com a simples observação de uma paisagem, da leitura de um livro, algo a que poderíamos chamar uma Graça. O belo que se apresenta nessas dimensões, é como algo que está para lá da compreensão.

O que compreendemos num templo budista? Podemos sobre isso dar aquela resposta que João Bénard da Costa (1) contava uma história interessante, a de que uma criança ao ler excertos dos Lusíadas dizia, "Eu não percebo nada disto, mas isto é tão bonito". E talvez que em muitas circunstâncias o belo seja não só o que ultrapassa a compreensão, ou que está para além dela, mas seja também uma forma de encontro. Um encontro com algo de maravilhoso e que se realize pela incompreensão.

A visita a um templo oriental, como o templo dourado em Kyoto provoca um sentido diferente de perceção do espiritual, mas ainda assim achamo-lo belo. E, todavia compreendemos a sua funcionalidade? Não a percebemos e talvez seja isso que o belo seja, o que não se percebe tão bem, ou se percebe menos e, justamente porque a compreensão é do nível do mistério. Podemos visitar o Epidauro, conhecer as características técnicas daquele espaço, mas a transcendência pode não nos contemplar. E assim o que fazemos é o estudo da Estética, em que relacionamos a representação do belo com as ideias filosóficas de um tempo. E aqui temos muitas possibilidades.

Desde os Gregos que a ideia de belo evoluiu. A sabedoria foi a primeira forma de belo, foi nas palavras dos poetas que ela primeiro se definiu, com o que conhecemos da obra de Homero e Hesíodo.
O belo relaciona-se com essa dimensão essencial de todos, a vida ainda. Como a podemos alimentar? Com que palavras? Com que sabedoria habitaremos a vida e a sua essência, o seu coração? Como a entendemos entre uma ideia secular de destino, um grito de ar, de visão entre momentos escassos, esse nada que varia entre promessas e nenhuma crença, apenas um fio de escuro. Parece pois essencial ter algum pensamento, descobrir na beleza uma sabedoria para a construir, para a edificar. A palavra sabedoria conduz-nos à ideia de uma aprendizagem.

Sophia criou sem dúvida uma ideia de belo que retomava valores clássicos, mas que os afirmava em novos tempos. Fazia a ligação entre o Belo e o Bem. Com ela a experiência estética transforma-se numa experiência ética e deu-nos essas palavras essenciais, a da relação justa entre as coisas e os homens. É dessa construção de um valor inteligível da vida, a que o belo se encontra associado. É dessa viagem desde os Gregos aos inícios da modernidade que aqui tentámos falar durante alguns  meses.

(1) João Benard da Costa, Ciclo de conferências "Ecce Homo", Lisboa, Maio de 2007.
Imagem - Teatro do Epidauro - séc. IC a. C., civilização grega, nas margens do mar Egeu. 

A representação do belo - [I]

"O que é belo há-de ser eternamente uma alegria, e há-de seguir presente.  Não morre; onde quer que a vida breve nos leve, há- de nos dar um sono leve, cheio de sonhos e de calmo alento." (1)

"O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!", foi uma ideia que desenvolvemos, com a construção de um conjunto de recursos sobre as ideias e a representação artística em determinados períodos. Fomos deixando alguns recursos sobre essa relação na civilização grega, no período medieval, no Renascimento, no Iluminismo e terminámos com algumas leituras sobre o Sublime. Nos dois posts finais, dois pequenos textos sobre o Belo em si, ou seja como poderíamos abordá-lo de um modo mais genérico, como ele poderia ser pensado. É um ponto de chegada e um ponto de partida. 

Os artistas e criadores em diferentes épocas tiveram motivações diversas. Uma das suas fortes motivações foi ainda assim o prazer das obras apreciadas. A procura do belo e a tentativa de atingir um nível de perfeição conduziu muitas criações. Definido como "gracioso", "bonito", "maravilhoso", o belo muitas vezes se identificou com o bom. Na nossa expressão diária muitas vezes o que definimos como belo é o que nos agrada ou que desejamos ter.

Muitas vezes associamos o belo ao bom, ao que transmite um ideal, que pode estar associado a um mito, ou a um herói. Essa ideia pode ser conhecida ou identificada como bom, mas pelas circunstâncias de sofrimento desses heróis, ela não se transforma num desejo nosso.

Esse sentido de bem afasta-se das nossas opções. Existe pois uma diferença crucial entre o Belo e o Desejo.

O belo visto numa obra de arte é algo que não suscita o nosso desejo, mas algo que existe por si, como representação bela de algo que muitas vezes possa o não ser, como em algumas situações da natureza. É desse belo, sentido e admirado numa cultura que aqui falámos. O Belo exprimido na Arte, mas também pela representação da natureza, pois esta foi em muitos momentos a representação do Belo. 


Por vezes representações de uma época podem ser consideradas belas, ainda que de contornos morais duvidosos. Falámos aqui da evolução da beleza tendo em atenção que ela nunca foi um absoluto e evoluiu ao longo da História nas suas representações mitológicas, da natureza e da visão da sociedade e dos seus elementos. E há naturalmente que reconhecer que muitas vezes, uma mesma época criou diferentes ideias de belo, de acordo com a sua própria evolução cultural.

O belo é umas das áreas em que a Estética, como disciplina tentou definir um conjunto de conceitos evolutivos relacionando as ideias, a cultura, o social e a representação de formas diversas pela expressão artística. A Estética foi já lida de muitos modos e talvez a mais interessante seja aquela que nos diz que ela é uma forma sensível de conhecer, algo como uma alternativa à razão. Os objetos estéticos criam em nós formas de sentir. É consensual que o belo se associa muitas vezes ao que agrada, ao que dá uma satisfação capaz de um entusiasmo. O belo tem si as suas próprias formas de beleza, ou somos nós como observadores a construir um conceito?


Quando entramos numa igreja românica, ou numa catedral gótica, ou num templo budista a beleza emerge como uma realidade. Esses são espaços de beleza.

A primeira pergunta a fazer é por que chamamos belos a esses espaços e por que razão os espaços de oração e recolhimento são portadores de uma ideia de Beleza?
A segunda questão pertinente é a de reconhecer que num livro como a Bíblia está ausente a formulação de belo. A única aparição da ideia de belo refere-se ao reino de Salomão e a sua comparação com os lírios do campo. A única referência de belo nas Escrituras Sagradas é uma referência natural e relativo a uma dimensão espontânea.
A terceira questão que importa fazer, há algo de imutável no belo, há nele algo de permanente?

 (1) Kohn Keats. (1841). "Endymion", in The poetical works of John KeatsLondon: William Smith.
Imagem - Estela grega de uma criança, séc. V a. C.; Dartmouth College's Hood Museum; The Onassis Cultural Center in New York