Péricles havia ensinado aos Atenienses que a sua cidade era
um farol no mundo helénico, era aquela que proclamava a coragem por aspirar a
ser uma democracia, onde se podia viver em liberdade e tolerância mútua. Atenas
passaria a ser a cidade da memória dos antepassados, das oportunidades do
futuro e das possibilidades de fazer de cada cidadão uma pessoa livre.
Atenas, tinha-o dito Péricles, seria a cidade dos que
admiravam a beleza, dos que amavam a vida sem esbanjarem recursos em
aparências. Atenas seria a cidade que amava a sabedoria, as palavras e os
gestos para experimentar formas ousadas da experiência humana. Este era o testemunho de Péricles para os mortos das batalhas
onde Atenas perdera os seus filhos. Era um pangerício sobre o valor imortal de Atenas,
que importava defender vigorosamente.
Trinta anos depois, as palavras de Péricles ainda ecoavam na
Ágora. Os mesmos homens reúnem-se agora para defender a cidade de um filósofo,
de quem se diz que pelas palavras corrompe os jovens, de quem inventa deuses
não aceites pela comunidade, de quem instala a dúvida na arquitectura social,
de quem questiona o sentido e o valor da vida dos atenienses. Na cidade as ideias
que estavam na base do julgamento de Sócrates eram de todos conhecidas.
As opiniões dividiam-se, embora a cada comentário feito,
aparecessem logo vários adeptos do seu enunciado, da que seria a acusação a
Sócrates. A guerra perdida com Esparta anunciara uma decadência, as pestes, a
desordem, a agitação política. Sócrates ao questionar os valores e as
instituições enfraquecia Atenas. As palavras de Delfos ainda faziam sentido em
Atenas, para quem a liberdade e a coragem que Sócrates ousava reclamar pareciam
uma ameaça? As palavras de Sócrates, no seu julgamento, que nos foi
testemunhado e escrito por Platão, dão-nos um registo imemorial do essencial da
vida - a coragem socrática.
É esse exemplo que a Apologia nos descreve, mostrando, na sua
estrutura todo o processo de acusação pelos denominados Sofistas, ligados ao
poder político, o julgamento e finalmente a defesa de Sócrates. Hoje, tal como
ontem, os riscos que corre o filósofo – e a que Platão alude na “Alegoria da
Caverna” – são os mesmos e eles podem vir a ser alvo do mesmo tipo de
acusações. Por isso, ler a Apologia é uma lição de vida para qualquer aluno de
filosofia e um exercício vigilante para exercer o espírito crítico.
Luís Campos (Biblioteca)
Imagem - A morte de Sócrates (1787) - David
Imagem - A morte de Sócrates (1787) - David
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