quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A apologia de Sócrates (I)

Péricles havia ensinado aos Atenienses que a sua cidade era um farol no mundo helénico, era aquela que proclamava a coragem por aspirar a ser uma democracia, onde se podia viver em liberdade e tolerância mútua. Atenas passaria a ser a cidade da memória dos antepassados, das oportunidades do futuro e das possibilidades de fazer de cada cidadão uma pessoa livre.

Atenas, tinha-o dito Péricles, seria a cidade dos que admiravam a beleza, dos que amavam a vida sem esbanjarem recursos em aparências. Atenas seria a cidade que amava a sabedoria, as palavras e os gestos para experimentar formas ousadas da experiência humana. Este era o testemunho de Péricles para os mortos das batalhas onde Atenas perdera os seus filhos. Era um pangerício sobre o valor imortal de Atenas, que importava defender vigorosamente.

Trinta anos depois, as palavras de Péricles ainda ecoavam na Ágora. Os mesmos homens reúnem-se agora para defender a cidade de um filósofo, de quem se diz que pelas palavras corrompe os jovens, de quem inventa deuses não aceites pela comunidade, de quem instala a dúvida na arquitectura social, de quem questiona o sentido e o valor da vida dos atenienses. Na cidade as ideias que estavam na base do julgamento de Sócrates eram de todos conhecidas.

As opiniões dividiam-se, embora a cada comentário feito, aparecessem logo vários adeptos do seu enunciado, da que seria a acusação a Sócrates. A guerra perdida com Esparta anunciara uma decadência, as pestes, a desordem, a agitação política. Sócrates ao questionar os valores e as instituições enfraquecia Atenas. As palavras de Delfos ainda faziam sentido em Atenas, para quem a liberdade e a coragem que Sócrates ousava reclamar pareciam uma ameaça? As palavras de Sócrates, no seu julgamento, que nos foi testemunhado e escrito por Platão, dão-nos um registo imemorial do essencial da vida - a coragem socrática.

É esse exemplo que a Apologia nos descreve, mostrando, na sua estrutura todo o processo de acusação pelos denominados Sofistas, ligados ao poder político, o julgamento e finalmente a defesa de Sócrates. Hoje, tal como ontem, os riscos que corre o filósofo – e a que Platão alude na “Alegoria da Caverna” – são os mesmos e eles podem vir a ser alvo do mesmo tipo de acusações. Por isso, ler a Apologia é uma lição de vida para qualquer aluno de filosofia e um exercício vigilante para exercer o espírito crítico.

Luís Campos (Biblioteca)
Imagem - A morte de Sócrates (1787) - David

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