sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Conteúdos na rede (A arte grega) - (2)

Uma obra de arte por dia - Interpretar o real!
Ressurgiremos
Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos
E em Delphos centro do mundo
Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta


Ressurgiremos ali onde as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos os contornos
Na aguda luz de Creta


Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a terra de frente
Na luz limpa de Creta



Pois convém tornar claro o coração do homem
E erguer a negra exactidão da cruz
Na luz branca de Creta 


SOPHIA, alguns poemas, algumas palavras - II, "Ressurgiremos", in Livro Sexto (1962)
(Na lembrança de uma civilização que existiu no mar Egeu, muito antes dos Gregos e que desenvolveu uma arquitectura e uma pintura feita de uma representação humana já com noções de realismo, elasticidade e de grande ritmo.
Imagem - fresco minóico do palácio de Cnossos - Creta.
#Umaobradeartepordia

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Conteúdos na rede (A arte grega) - (1)

As páginas de conteúdos digitais têm agregado no Facebook e no Twitter, uma etiqueta que aqui se irá dando conta de um modo progressivo, justamente: #Umaobradeartepordia

Esta viagem tem sido dedicada durante diferentes semanas à arte grega, como parte do suporte do Projeto Arte e Filosofia. Antes de a iniciarmos deixamos um post prévio sobre algo que foi um espaço civilizacional de grande importância no Mediterrâneo Oriental e que influenciaria a Civilização Grega.

Neste espaço desenvolveram-se as chamadas Civilizações do EgeuNo Mediterrâneo Oriental encontramos o espaço que ficou conhecido como o "Egeu", que é mais do que um conceito geográfico, ele identifica as civilizações que se desenvolveram no terceiro e segundo milénio antes de Cristo. Uma delas é designada de Minóica ou de Creta.  Encontramos três entre 3000 a.C., e 1450 a.C.:
  1. Civilização Cicládica -  Civilização do começo da Idade do Bronze, nas Ilhas Cíclades;
  2. Civilização Minóica ou Cretense - Civilização que se desenvolveu na Ilha de Creta;    (entre 2700 e 1450 a.C.); 
  3. Civilização Micénica - Refere-se à cultura dos Aqueus, um povo que se estabeleceu na costa sudoeste da Grécia (estabeleceu-se no período final da Idade do Bronze).
A civilização que se desenvolveu no Egeu foi durante muitos séculos conhecida através da narração da Guerra de Tróia por Homero. As escavações do século XIX trouxeram um conjunto de materiais que foram sendo revelados, embora com limitações devido à dificuldade de conhecer a escrita Minóica. A civilização Minóica foi a mais rica do Mundo Egeu. Também a mais estranha pois vítima de uma interrupção que parece ter sido causada por um acidente natural.

A civilização que se desenvolveu em Creta praticava uma agricultura desenvolvida com especial destaque para os cereais, o azeite, o vinho e a criação de animais. O comércio foi no entanto a base da sua economia. Esta civilização desenvolveu muito o comércio no mar Egeu oferecendo produtos fabricados pelos seus artesaõs. É a primeira civilização no Mediterrâneo a conceber-se como sustentada na sua essência pelo mar.

Creta era uma sociedade muito influenciada pela religião, com destaque para a deusa-Mãe, uma divindade que governava o Universo e era igualmente símbolo da fertilidade. No campo das artes, esta civilização destacou-se na pintura com frescos de grande apelo visual, ou ainda esculturas de metais, jóias e peças de cerâmica. 

As imagens acima representam dois frescos do palácio de Cnossos. A época dos palácios na civilização Minóica incentivou o desenvolvimento da pintura. Surgem objetos em cerâmica com um nível de perfeição técnica muito elevada. Surge-nos o conceito de espiral e de movimento. A pintura Minóica privilegiou a vida marinha ou a representação de motivos ligados à natureza.

A ligação entre as civilizações do Egeu e a civilização grega são muito notórias, pois na mitologia Minóica surge o mito cretense do Minotauro, representado por um homem com cabeça de touro e que seria morto pelo herói grego Teseu. Da cultura Minóica saíram igualmente os mitos de Dédalo e Ícaro. Existem nestas civilizaçãos do Egeu pontos de ligação ao mundo grego, embora este seja mais complexo e mais abrangente como construção de uma sociedade humana.

Imagens - Frescos do Palácio de Cnosos. Creta. Civilização Minóica. 2500 a.C.

(stand by...)

Martha Nussbaum - o valor das Humanidades

"Eu, por mim, devo sem dúvida, na medida das minhas forças, trabalhar, para que os meus concidadãos se tornem mais instruídos, graças à minha atuação, estudo e obra" (1)

Daremos ao longo do ano letivo algum destaque a autores / livros que marcam ou marcaram no passado o pensamento humano e nos permitem redimensionar o que é a vida humana e essa área essencial, os valores. Começamos com o Prémio Princípe de Astúrias de Ciências Sociais de 2012, a Professora de Filosofia da Universidade de Chicago, Martha C. Nussbaum.

São palavras antigas, milenares sobre essa disciplina antiga que nos reporta o essencial da nossa dimensão, o amor, a morte e a justiça. Terreno da Filosofia, onde a cultura Grega com a sua explosão de conhecimento e dúvida erigiu um edifício que a tecnologia e os novos sábios dispensaram. Sem este espelho do passado, sem o seu conhecimento perde-se o contorno do horizonte, as ligações que tínhamos, ficando ausente da ideia essencial de continuidade. Este abandono das Humanidades revela-nos como perdemos o valor simbólico do que soubermos construir como sociedade.

Há ainda quem consiga destacar o pensamento clássico como algo muito importante a conhecer, a filosofia como disciplina essencial nestes dias esquecidos de dignidade e lembrar que a liberdade não é um conjunto de letras que se "gritam" em algumas ocasiões, mas uma massa crítica para exercer nos dias. As Humanidades permitem reforçar a Democracia.

Martha Nussbaum tem desenvolvido a sua ação na área do estudo do pensamento grego e da filosofia que orientou a construção do Humanismo ocidental. Em entrevista ao jornal ABC destacou algumas ideias essenciais. A riqueza de um país não pode ser só medido pelo produto interno bruto, mas também pelos índices de qualidade de vida, para as artes, para a cultura e para a família.

A Democracia e o seu primado do direito vem perdendo a sua referência na ideia, na razão e substituída pelo dinheiro. Sem direito a uma educação, não existem escolhas e não há liberdade. Apenas acede à cultura os que têm poder económico e por isso caminhamos para um novo totalitarismo, agora de componente económico. A Democracia corre sérios riscos pela desvirtualização com que a globalização assumiu um fundamentalismo de mercado.

A Democracia e as sociedades precisam de retomar uma ideia, que Isócrates, no século I a. C defendia. A de uma educação liberal capaz de suportar um desenvolvimento humano que enfrente em alternativa o culto do poder e do dinheiro. Ideia que Anthony O' Hear desenvolveu no seu "Ler os Grandes Livros", como forma de estabelecer uma conversação, isto é compreender os suportes humanos da nossa civilização. É isso muito do que nos falta e que a professora Martha Nussbaum, vem destacando nos seus trabalhos. Para conhecer melhor o seu trabalho na Filosofia, mas também no Direito e nos aspetos éticos do desenvolvimento económico, deixamos um link sobre alguns dos seus trabalhos. Aqui.

(1) Cícero, "De Finibus",  citado de Maria Helena da Rocha Pereira, das Origens do Humanismo Ocidental, conferência (Porto - 1985)

A representação do belo - Grécia (12)


O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

Temos visto que os pitagóricos redefiniram o conceito do número. Uma das relações que foram estabelecidas foram as relações matemáticas com os sons musicais e que proporções se definiam entre os intervalos dos sons e ainda a relação entre o comprimento de uma corda e a altura de um som. A ideia do belo também se representa pela ideia de harmonia musical. Boécio na Idade Média confirmou esta ideia de harmonia dos pitagóricos lembrando uma observação feita por Pitágoras. Num dado dia, um ferreiro colocara martelos de diferentes pesos que criavam sons proporcionais a essa dimensão. Boécio é uma das fontes de registo das ideias dos pitagóricos. Sabemos que com eles a música influenciava diferentes estados de espírito. O ato de adormecer e acordar era realizado pelas pitagóricos como forma de verificação a modulação do som e o efeito em cada pessoa. Talvez nem sempre o percebamos, mas a representação do belo também se faz pela música e por esta ideia pitagórica de proporção.
Fonte: Umberto Eco. 2004). História da Beleza. Algés: Difel.

A representação do belo - Grécia (12)


O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

É por todos conhecida a ligação entre a civilização grega e o Renascimento. Os pitagóricos fizeram do número uma grandeza que permitiu evoluir do conceito aritmético ao geométrico e espacial. Inventaram o tetraktys que é na verdade um triângulo em que o ponto central está equidistante dos pontos que formam o triângulo equilátero, que significa com três lados iguais. É possível dar continuidade à série de cada ponto, de modo que se obtem uma figura, um "reticulado potencialmente infinito". Os pitagóricos descobriram nestas harmonias geométricas uma forma de belo, um sentido inteligível do universo, pois as harmonias aritméticas tinham correspondência em harmonias geométricas.
Imagem - Michelangelo Buonarroti, Estudo para a sala dos livros raros da bibioteca Laurenziana, Florença, c. 1516.

A representação do belo - Grécia (11)

O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

A arte helenística é o último momento da expansão grega. Podemos situá-la entre os séculos IV e I a.C., ou seja entre a morte de Alexandre e a ocupação romana. Nesta fase a difusão da civilização grega fez-se do Mediterrâneo oriental à Ásia central, tendo as conquistas de Alexandre sido muito relevantes nesta expansão. Período de grande apogeu da civilização grega com referências na ciência tão significativas como Euclides ou Arquimedes. Foram fundadas muitas cidades tão importantes como Alexandria ou Antioquia. Se a matemática se desenvolveu no helenismo, igualmente assistimos ao florescimento da astronomia, da medicina, da geografia, da gramática e da literatura. Também na filosofia se observa o aparecimento dos estóicos e dos epicuristas, ou do neoplatonismo. Nomes como Demócrito ou Heráclito são da maior importância para aquilo que foi a explosão grega. A arte helenista procurou o valor expressivo do sublime. Procurou cultivar conceitos como o expressionismo, o naturalismo numa apresentação de intensidade dramática. A escultura grega do período helenista tenta encontrar a representação de diferentes formas de realidade. 
Para isso socorreu-se do Tratado do Sublime de Longino, onde os sentimentos prevaleciam sobre a representação física. A arte grega helenística privilegiou assim o pathos sobre o ethos. O sublime que os gregos buscaram era já não uma ideia de beleza, mas um sentimento, e nesse sentido transcende a própria noção de belo. A escultura desta fase abre-se à imaginação do observador e ao mesmo tempo procura revelar sentidos de espanto e inquietação.
Imagem – Vénus de Milo: datada de 100-190 a.C, feita em mármore, tem altura de 198 cm. Parece muito óbvia a influência de Praxíteles e Lisipo na sua construção. A Vénus de Milo deve esse nome ao fato de ter sido descoberta na ilha grega de Milos, no século XIX. Está em exposição no museu do Louvre.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A representação do belo - Os textos (7)

Beleza das formas geométricas
Platão (séculos V - IV a.C.) 
Timeu, 55e-56c
Mas, deixando isto de parte, distribuamos os géneros que obtivermos com o raciocínio, em fogo, terra, água e ar.
E à terra damos a forma cúbica.
De facto, dos quatro géneros é o mais móvel e o mais plasmável dos corpos. E, sobretudo, é necessário que seja tal o que tem as bases mais sólidas. Dos triângulos que pusemos no início, a base dos que têm lados iguais sobre as bases é por sua natureza mais sólida do que a daqueles que têm lados desiguais.
E das superfícies compostas de um e de outro triângulo, o tetrágono equilátero e´, necessariamente, mais estável do que o triângulo equilátero tanto em relação às partes como ao conjunto.
Por isso, atribuindo isto à terra, salvamos o raciocínio verosímil. à água daremos a forma que, das remanescentes, for a mais difícil de se mover: ao fogo, a mais móvel e ao ar, a do meio. [...]
Depois, é preciso que todas estas formas sejam concebidas de tal modo pequenas que, pela sua pequenez, cada parte individual de cada género não seja, de modo nenhum, visível para nós, ao passo que, quando se reúnem todas, se vêem as suas massas. E no que concerne às proporções que se referem à quantidade e aos movimentos e a todas as outras potências, deve-se dizer que Deus as harmonizou - na medida em que, por actividade espontânea ou persuasão recebida, a natureza da necessidade se submeteu - , depois de as ter levado à sua realização em toda a parte com exactidão segundo relações numéricas.

Imagem: Peça de arte grega, denominado Cálice Ático do tipo de cerâmica negra com figuras vermelhas. É atribuído a Édipo; século V a.C., Museu do Vaticano.
Fonte: Umberto Eco. (2004). História da Beleza. Lx: Difel.

A representação do belo - Grécia (10)

O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

Boa noite! Fiquem bem!
"Está já pronto outro vinho, que garante que jamais
abandona ao barro o cheiro a mel da sua flor.
No meio, uma árvore de incenso desprende um sacro aroma;
a água está fresca, doce e pura.
Aqui temos os fulvos pães e a mesa sumptuosa,
carregada de queijo e de pingue mel.
Ao meio, o altar está todo coberto de flores.
A música festiva domina o ambiente.
Ao deus devem os homens sensatos entoar primeiro um hino,
com ditos de bom augúrio e palavras puras.
Depois de fazer as libações e preces para procederem
com justiça — pois isso é a primeira lisa —
não é insolente beber até ao ponto de se poder voltara casa
sem ajuda de um escravo, a menos que se seja muito idoso."
#Obelocomorepresentação
Xenófanes de Cólofon (séc. VI-V a. C.) - Hélade, Antologia de Cultura Grega. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira.
Imagem: Apolo e as Ninfas, de François Girardon (1666-73), na Gruta de Apolo, em Versalhes
Música: Second Delphic Hymn to Apollo

A representação do belo - Grécia (9)

O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

Para Platão a beleza não é algo que exista em si, como um elemento físico. Ela existe autonomamente, distinta do suporte físico. Em Platão a beleza não está vinculada a um determinado objecto, ela apresenta-se brilhante em qualquer lado. 

A beleza não se identifica com o que se vê, pois o corpo é para Platão uma prisão, uma caverna que aprisiona a alma. Assim o belo necessita de uma aproximação sensível e deve ultrapassar a visão do intelecto. Essa superação faz-se por uma aprendizagem baseada na dialéctica, que nos é trazida pela filosofia. Esta abordagem significa que nem todos podem ver a verdadeira beleza. A arte que procura representar essa beleza, a arte imitativa é uma cópia falsa, não revela uma autêntica beleza. 

Para Platão a observação das artes imitativas torna-se prejudicial para os jovens porque lhes cultiva uma aparência. O essencial para a compreensão e acesso ao belo seria proporcionar a beleza das obras geométricas que se baseia na proporção e numa concepção matemática do universo. Estas ideias irão influenciar o pensamento dos pitagóricos.
#Obelocomorepresentação


Imagem: Afrodite de Cápua: Escultura do período clássico (século IV a.C,) aqui como cópia romana do século II; Museu Arqueológico Nacional de Nápoles. 
Fonte: Umberto Eco. (2004). História da Beleza. Lx: Difel.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

A representação do belo - Os textos (6)

Esplendor
Platão (séculos V - IV a.C.)
Fedro, XXX
Agora,  nenhum fulgor da justiça, da temperança e todas as outras coisas que têm valor para as almas, está presente nas imagens cá de baixo. Mas só poucos, mediante os órgãos obscuros aproximando-se das cópias, a custo vêem o modelo original que é reproduzido naquelas cópias. 
Então, pelo contrário, a Beleza via-se no seu esplendor, num coro feliz tínhamos uma visão e contemplação feliz, enquanto íamos seguindo Zeus e outros seguiam algum outro deus e iniciávamos-nos naquela iniciação que justamente se diz que é a mais feliz, que celebrávamos sendo íntegros e não tocados pelos males que nos teriam esperado no tempo que devia vir, contemplando na iniciação mistérica visões íntegras, simples, imutáveis e felizes, numa pura luz, sendo também nós puros e não tumulados neste sepulcro que, agora, levamos connosco e que chamamos corpo, aprisionados nele como a ostra...
Agora nas imitações terrenas nem sequer transparece um raio de justiça, de temperança de todos os outros bens que são preciosos para a alma; mas só poucos, com órgãos tão obtusos, podem a muito custo perceber, aproximando-se das imagens, a natureza do que nelas se representa. Então, a Beleza brilhava em toda a luz quando na sua bem-aventurada multidão gozavam a sua visão beatífica - nós, seguindo Júpiter; outros, outro qualquer deus - e éramos iniciados naquela iniciação que bem se poderá dizer a mais beatífica de todas; e celebrávamo-la, íntegros e inexperientes dos males que, depois, haveríamos esperado em contemplação mistérica de formas íntegras e simples, imóveis e veneráveis, imersas numa luz pura, nós mesmos puros e sem esta tumba que agora andamos por aí com o nome de corpo, aprisionado nele como uma ostra...

Imagem: Ânfora de figuras vermelhas (A ânfora era um vaso grande de cerâmica, com duas asas simétricas e fundo pontiagudo, usado para armazenar azeite, vinho e água), ca. 530 a.C., Museus do Vaticano.

A representação do belo - Grécia (8)


O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

A beleza é uma ideia, uma abordagem de valores e uma representação. Não se pode falar dela sem falar naqueles que pensaram o seu sentido, as suas possibilidades, as suas possíveis faces, os filósofos. Se para os poetas pré-Homéricos o mar e a mulher constroem a associação com o que é belo e se com Homero é o natural que se associa à beleza, é com Sócrates e Platão que vemos essa construção melhor se definir.

Sócrates, de acordo com o seu testemunho em Memorabilia de Xenofonte define a praxis artística em três categorias: a beleza ideal (identificada pelas suas diferentes partes), a beleza espiritual (exprimida pelo olhar e reveladora da alma humana, visível nas esculturas, onde os olhos eram pintados para serem mais verdadeiros) e a beleza útil (a que se torna funcional). 

Platão criará duas concepções da beleza que se desenvolverão ao longo da História. Justamente a beleza como harmonia e proporção das partes (derivada das ideias de Pitágoras) e a beleza como esplendor e que vemos expressa em Fedro e que influenciarão pensamento neoplatónico.
Imagem:
sólidos platónicos da De Divina proportione de Luca Pacioli, 1509, Biblioteca Ambrosiana, Milão.

#Obelocomorepresentação
Fonte: Umberto Eco. 2004). História da Beleza. Lisboa: Difel.

A representação do belo - Grécia (7)


O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

A escultura grega procura a representação de formas humanas em que um pequeno fragmento de movimento ou uma seção de uma ação encontra um equilíbrio. Os seus valores criativos residem na simplicidade expressiva, mais do que nos pormenores.

O Laoconte do período helenístico é uma exceção que não caracteriza o essencial da escultura grega e do seu ideal de belo.

"Como a profundidade do mar que permanece sempre imóvel, por mais agitada que esteja a sua superfície, a expressão das figuras gregas, embora agitadas por paixões, mostra sempre uma alma grande e repousada.



 Não obstante os sofrimentos mais atrozes, esta alma transparece no rosto de Laocconte e não só no rosto. A dor que mostra em cada músculo e em cada tendão do corpo – e que, só de olhar para o ventre convulsamente contraído, sem nos preocuparmos com o rosto nem com outras partes, quase acreditamos que nós próprios sentimos – não se exprime, de modo nenhum com sinais de raiva no rosto e na atitude. 

O Lacoonte não grita horrivelmente como no canto de Vergílio, pois o modo como tem a boca aberta não lho permite; antes lhe pode sair um suspiro angustiado e oprimido como descreve Sadoleto. A dor do corpo e a grandeza da alma estão distribuídas por todo o corpo e parecem manter-se em equilíbrio. Laocoonte sofre, mas sofre como o Filoctetes de Sófocles: o seu padecer toca-nos o coração, e nós desejaríamos poder suportar a dor como este homem sublime a suporta."

#Obelocomorepresentação

Johann Joachim Winckelmann, Monumentos antigos inéditos, I, 1767
Imagem: Laocconte – Roma – Museus Vaticanos;A autoria da obra é atribuída a Agesandro, Atenodoro e Polidoro, três escultores da ilha de Rodes. A escultura foi apenas descoberta no século XVI.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A representação do belo - Os textos (4)

Arte e verdade
Platão (séculos V - IV a.C.)
República, X
A arte imitativa está distante da verdade e, por isso - tal como parece -, executa todas as coisas, já que percebe uma pequena parte de cada objecto, uma parte que é uma cópia. Digamos, por exemplo: o pintor pintar-mos-á um sapateiro, um carpinteiro ou outros artesãos sem perceber nada de nenhuma das suas artes.
Contudo, se fosse um bom pintor e pintasse um carpinteiro e o mostrasse de longe, poderia enganar crianças e pessoas idiotas, iludindo-as de que se trataria de um verdadeiro carpinteiro. [...]
A pintura e, em geral, a arte imitativa, por um lado, realiza a sua obra mantendo-se afastada da verdade, por outro, dirige-se àquilo que em nós existe de mais afastado da inteligência, fazendo-se sua amiga e companheira por nada de são nem de verdadeiro. [...] De modo que a arte mimética, já de si de modesto valor, unindo-se a uma faculdade igualmente modesta, só poderá gerar frutos modestos. A pintura (e, em geral, a arte imitativa) elabora a sua obra longe da verdade.
Esta está em íntima relação, como companheira e amiga deste nosso elemento interior que está longe da inteligência, sem nenhuma metade sã nem verdadeira.
- Com toda a certeza, respondeu. - Então, a arte imitativa, que tem pouco valor, ao encontrar-se com um elemento também pouco valioso, dá lugar a produtos que valem pouco. - Pode acontecer. - Trata-se, continuei, somente da arte que se dirige à vista ou [tratar-se-á] também da que concerne o ouvido e que, precisamente, denominamos poesia?
- É natural, respondeu, quetambém se trate desta.

Imagem - Representação de um dos episódios da Odisseia de Homero. representação das sereias (que na tradição grega tinham asas). Século V a.C. Museu Britânico. Londres.

A representação do belo - Grécia (6)



O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

“É a coisa mais bela da terra, uma fila de cavaleiros” diz. “Não, de infantes”. “Não, de navios”. E eu penso, belo é o que se ama. Fazê-lo compreender é coisa muito fácil, para cada um. Helena, que via a Beleza de muitos, escolheu como seu homem e o melhor aquele que apagou a luz de Tróia: esqueceu a filha, os pais, e foi para longe, para onde quer Cípris, porque o amava. […] Quem é belo, é-o enquanto está debaixo dos olhos, quem também é bom, é-o agora e sê-lo á depois”.

Safo (séculos VII-VI a.C.)

A Kalokagathía é um conceito que caracteiza um ideal de belo da civilização grega que procurava harmonizar a alma com o corpo, a forma e o espírito.

#Obelocomorepresentação

Imagem: Auriga, século V a.C., Museu Arqueológico de Delfos.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A representação do belo - Os textos (3)

A Kalokagathia
Safo (Séculos VII - VI a.C.)
"É a coisa mais bela da terra, um fila de cavaleiros" diz. "Não, de infantes", "Não, de navios". E eu penso, belo é o que se ama
Fazê-lo compreender é coisa muito fácil, para cada um. Helena, que via a Beleza de muitos, escolheu como seu homem e o melhor aquele que apagou a luz de Tróia: esqueceu a filha, os pais, e foi para longe, para onde quer Cípris, porque o amava. [...]
Quem é belo, é-o enquanto está debaixo dos olhos, quem também é bom, é-o agora e sê-lo á depois.

Harmonia e proporção
Platão (séculos V - IV a.C.)
Timeu, V
Deus, querendo-o assemelhar ao mais belo e ao mais completamente perfeito dos animais inteligíveis, compôs um único animal visível que dentro de si reúne todos os animais que lhe são naturalmente afins [...]. E o vínculo mais belo de todos é o que faz, tanto quanto for possível, uma só coisa de si mesmo e das coisas ligadas;ora, a proporção realiza isso de modo belíssimo.

Imagem: Hércules e Atena. Cerâmica grega antiga, 480–470 a.C.

A representação do belo - Grécia (5)

O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

A beleza é uma ideia, uma abordagem de valores e uma representação. Não se pode falar dela sem falar nos seus instrumentos, os artistas. A ideia de belo define-se melhor com a aproximação do século V a.C., pois a ascensão económica e cultural de Atenas permite-lhe ter uma noção mais clara do seu sentido estético. A vitória sobre os Persas no tempo de Péricles permite desenvolver de modo significativo as Artes, e em destaque a pintura e a escultura.

A reconstrução da cidade, dos seus templos era também uma forma de revelar um orgulho do poder ateniense e permitiu dar um incentivo ao trabalho dos artistas.
A civilização grega tem em si outras razões para essa explosão artística. A técnica das artes figurativas gregas é de enorme alcance. A arte grega superou em muitos aspectos a arte da Terra dos Faraós. A arte grega faz uma aproximação entre a sua representação e a vida dos gregos. Tal não acontecia no Egipto dominado por uma arte virada para a abstração e organizada de uma forma muito disciplinada. A arte grega é dominada pela ideia de subjectividade. Não existe na representação pictórica grega a exactidão das formas observadas. A escultura procura a expressão de um belo que se observe nos corpos representados. Os grandes nomes da escultura grega (Fídias, Míron e Praxíteles) procuram realizar um equilíbrio entre uma representação que seja realista, nas formas humanas e o respeito por um cânone (kánon) específico.

A escultura grega não constrói uma abstração, uma idealização de belo, mas apenas tenta encontrar o que pode ser classificado como uma Beleza ideal. A escultura grega tenta uma síntese em corpos vivos, onde o belo conjuga uma ideia de corpo e alma. A Beleza na Grécia Clássica aspira a representar o esplendor do corpo numa estrutura que projecte igualmente a bondade, os valores do espírito. Esse ideal, conhecido com o nome de Kalokagathía teve a sua expressão maior nos versos de Safo e nas esculturas de Praxíteles.

A escultura grega não busca os pormenores da representação, nem representa com grande preocupação objectos inorgânicos. Ela revela com grande preocupação sua uma representação de formas humanas. Nestas, um pequeno fragmento de movimento ou uma seção de uma ação encontra um equilíbrio e por isso a sua essencialidade. Esta reside na simplicidade expressiva, mais do que nos pormenores. O Laoconte do período helenístico será uma das exceções a este quadro e ao seu ideal de belo.

#Obelocomorepresentação

Imagem: Fídias, Métopa do Pártenon, 447-432 a.C. Londres, Museu Britânico

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A representação do belo - Os textos (2)

Belo é o que agrada
Téognidas (séculos VI- a.C.)
Elegias, I, vv. 17-18
Musas e Graças, filhas de Zeus, vós que um dia cantaste nas bodas de Cadmo a bela palavra: "O que é belo é amado; o que não é belo não é amado." E correu nos lábios divinos.

Belo é o que é sempre querido 
Eurípedes (século V a.C.)
Bacantes, III, vv. 880-884
O que é a sabedoria ou que dom dos deuses é mais belo entre os homens do que estender a mão sobre a cabeça do inimigo vencido?
O que é belo é sempre querido.

Olhar
Platão (séculos V-VI a.C.)
Simpósio, 211e
Portanto, o que deveríamos nós pensar - disse - se, acontecesse de alguém ver o Belo em si absoluto, puro, não misturado e, de modo nenhum, contaminado por carnes humanas e por cores e por outras pequenezes mortais, mas pudesse contemplar como forma única o próprio Belo divino? Ou, porventura, tu considerarias - disse - que pouco valeria a vida de um homem que olhasse para lá e contemplasse aquele Belo com aquilo que se deve contempla e permanecesse unido a ele? Não pensarás, antes - acrescentou -, que, aqui, olhando para a beleza somente com aquilo com o que é visível, esse tal gerará não já pura imagens de virtude, pois que não se aproxima de uma pura imagem de belo, mas dará à luz virtudes verdadeiras, já que se aproxima do Belo Verdadeiro? E não acredites que, gerando e cultivando a virtude verdadeira, será querido aos deuses, e será, como nunca outro homem foi, também ele imortal?
Estas coisas, Fedro, e vós outros, disse-me Diotina, e eu fiquei convencido. E, assim persuadido, tratei de persuadir também os outros três que para atingir este objectivo não se poderia facilmente encontrar para a natureza humana melhor colaborador que Eros.

Imagem: Terracota Panathenaic ânfora
Ânfora para celebrar um tipo de jogos que aconteciam em Atenas, onde se faziam rituais estando associados a jogos que nunca tiveram a dimensão dos Jogos Olímpicos. Eram momentos em honra de Atena e de Poseidon. A ânfora era utilizada com óleo das melhores oliveiras de Ática e dada ao vencedor dos jogos. Cada ânfora obedecia a uma forma padronizada onde encontramos uma ilustração de uma competição, com predomínio para as corridas a pé. Euphiletos é um pintor associado a este tipo de cerâmica.

A representação do belo - Grécia (4)

O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

Nas suas mãos a voz do mar dormia
Nos seus cabelos o vento se esculpia

A luz rolava entre os seus braços frios

E nos seus olhos cegos e vazios
Boaiava o rasto branco dos navios
.


(Andresen, S. de M. B. (2005). "A Estátua" in No tempo dividido. Lisboa: Caminho. pág. 40.


#Obelocomorepresentação

Imagem - Discóbolo de Míron - Séc. V a. C.

A representação do belo - Grécia (3)


O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

"Quem é belo é querido, quem não é belo não é querido". 

Expressão de Hesíodo nas bodas de Cadmo e Harmonia em Tebas e subscritas por Eurípedes. 

A civilização grega até Péricles não tinha construído ainda uma estética que formulasse uma ideia sistematizada de Beleza. Existem diferentes ideias sobre a Beleza.


O oráculo de Delfos à mesma pergunta respondia: "O justo é o mais belo". A Beleza está pois associada a outros valores. Não ficou paralisado Menelau na derrota de Tróia pelo belo seio de Helena? 

A Beleza desenvolver-se-á na Grécia Clássica como os elementos perceptíveis dos sentidos, mas também a revelação de qualidades de carácter. A Beleza entre os Gregos desenvolveu-se de modo diferente consoante falamos dos hinos escritos, das lendas reveladas, da poesia ou da escultura.

#Obelocomorepresentação

Imagem: Fídias, Métopa do Pártenon, 447-432 a.C. Londres, Museu Britânico

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A Filosofia ...

Perto está
E difícil de prender, o Deus.
Mas onde há perigo, cresce
Também o que salva.
No escuro moram
As águias, e intrépidas vão
As filhas dos Alpes sobre o abismo
Por pontes de construção leve e fácil.
Por isso, porque em volta se apinham
Os cumes do tempo, e os queridos
Vivem perto, esmorecendo
Em montes que tornam a distância infinita,
Dá-nos, água inocente,
Oh dá-nos asas, pra voar pra lá
De ânimo fidelíssimo e voltar de novo.

Friedrich Hölderlin. (2013)."Patmos", in Poemas. Relógio d´Água, (Trad. Paulo Quintela).


(A poesia é uma forma de construir uma comunhão dentro da vida, uma forma de fogo envolvida na água, dentro de nós próprios. Se a poesia formula uma revelação e se o seu conhecimento é usando a expressão de Eugénio de Andrade, "também um fogo de amor, em que o poeta se exalta e consome", a Filosofia assume a dupla face do homem. O seu passado e o seu futuro à semelhança de Janus, figura da mitologia romana. Da Filosofia, será a etiqueta onde se destacará a actividade da Filosofia como forma e ação de filosofar. Ou seja, a construção desse processo de pensamento, o filosofar agrupará alguns textos sobre os valores, aquilo que faz o homem, a sua experiência e a relatividade da sua vivência em cada época. Da Filosofia procurará em textos diversos sublinhar a Filosofia como iniciação, isto é uma aprendizagem e uma revelação).

terça-feira, 18 de outubro de 2016

A representação do belo - Grécia (2)

O belo na representação da arte, a fruição estética da criação!

Kouré é a designação para pequenas estatuetas que pertencem ao período arcaico da civilização grega, o que antecede o período clássico. As estátuas de Korés adotam uma atitude convencional. Elas apresentam a oferenda de um fruto, de uma taça ou de um pássaro. Mas cada escultura se revela individualizada pelo estilo do artista e pelo momento da sua criação no decorrer da evolução da escultura arcaica. 

A estatuária da Koré tem um aspeto majestoso, revelando robustez. As Koré designavam jovens mulheres e tinham sempre na representação uma oferenda que podia ser uma ave, ou um pássaro que se encontrava posicionado perto do peito. Existe uma rigidez plástica e uma revelação do tipo de vestuário usado. 

As Korés eram estatuetas oferecidas durante o período arcaico à deusa Atena e encontram-se diversas na Acrópole de Atenas. Em algumas Korés da fase arcaica encontraram-se algumas representações que levaram alguns arqueólogos a pensar tratar-se já de uma imagem de deusas, com destaque para as que se relacionavam com a natureza, como Artémis deusa da caça. As Korés são uma das primeiras formas para observar a representação humana e a ideia de beleza que a civilização foi construindo, embora ela tenha mudado significativamente no período clássico.

#Obelocomorepresentação

Imagem: Koré de Eutidyco (h. 490a.C). Museu da Acrópole, Atenas.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A representação do belo - Os textos


"A arte imitativa está distante da verdade e, por isso – tal como parece - , executa todas as coisas, já que percebe uma pequena parte de cada objecto, uma parte que é uma cópia. Digamos, por exemplo: o pintor pintar-nos-á um sapateiro, um carpinteiro ou outros artesãos sem perceber nada de nenhuma das suas artes.
Contudo, se fosse um bom pintor e pintasse um carpinteiro e mostrasse de longe, poderia enganar crianças e pessoas idiotas, iludindo-as de que se trataria de um verdadeiro carpinteiro. […]
A pintura e, em geral, a arte imitativa, por um lado, realiza a sua obra mantendo-se afastada da verdade, por outro, dirige-se àquilo que em nós existe de mais afastado da inteligência, fazendo-se sua amiga e companheira por nada de são nem de verdadeiro. […] De modo que a arte mimética, já de si de modesto valor, unindo-se a uma faculdade igualmente modesta, só poderá gerar frutos modestos. A pintura (e, em geral, a arte imitativa) elabora a sua obra longe da verdade. Esta está em íntima relação, como companheira e amiga deste nosso elemento interior que está longe da inteligência, sem nenhuma metade sã nem verdadeira.
- Com toda a certeza, respondeu. – Então, a arte imitativa, que tem pouco valor, ao encontrar-se com um elemento também pouco valioso, dá lugar a produtos que valem pouco. – Pode acontecer. – Trata-se, continuei, somente da arte que se dirige à vista ou [tratar-se-á] também da que concerne o ouvido e que, precisamente, denominamos poesia?
- É natural, respondeu, que também se trate desta."

Platão, República, Livro X; Imagem - A escola de Atenas (Platão e Aristóteles),
 Quadro de Raffaelo Sanzio, séc. XVI (detalhe)