domingo, 8 de novembro de 2015

A Apologia de Sócrates (III) - As palavras de Sócrates (I)

No julgamento de Sócrates deixemos a ele, às suas palavras o sentido que foi o da sua Filosofia e da coragem com que edificou uma ideia de vida e de civilização, que mais tarde outros retomariam - a nobreza de espírito. Oiçamos Sócrates entres as paredes nuas da Ágora:

Nunca ambicionei fama ou poder. Não tenho dinheiro - vejam as minhas roupas e escassos bens. A sabedoria divina não é minha, nem prego uma fé particular. Será por isso que o ódio, a calúnia e a inveja foram a minha sorte muito antes do julgamento? Qual é a culpabilidade de uma existência consagrada à busca da sabedoria humana?

Isto é o que sei. É mais sensato saber o que não se sabe do que fingir conhecimento de algo que acabamos por não ter. Colocar as questões certas proporcionam maior discernimento da existência humana do que repetir sem critério respostas que outros nos dão. São as palavras que nos dão vida. Quando as palavras perdem o significado, a nossa vida também se torna algo sem sentido e definha como uma árvore cujas raízes morreram. Eu teria falhado miseravelmente se não vos tivesse estimulado a reflectir sobre o significado da sabedoria, coragem, piedade, justiça e afins. 

Não foi juntos que chegámos à conclusão que a sabedoria não é senão a união entre a vida e o pensamento, que só as nossas acções podem demonstrar se somos verdadeiramente sábios e entendemos alguma coisa acerca da vida? Uma vida irreflectida não só é insensata como também má, e o conhecimento que nos ensina como viver é de longe, o mais importante.

Examinámos o significado da palavra 'corajoso' e aprendemos que a essência da verdadeira coragem não reside numa conduta heróica em relação aos outros mas na coragem de se ousar ser sábio, na prática da justiça e de outras virtudes, e na incondicional fidelidade à demanda da verdade. 

Os meus acusadores invocam a sua piedade, mas eu pergunto-vos: quão piedoso é o que sabe tudo sobre os deuses - não vou perguntar como - e segue obedientemente todos os rituais mas odeia os seus semelhantes? A acusação afirma que nego a existência dos deuses, mas nunca neguei a existência do divino. Pelo contrário, sempre argumentei a favor da origem divina da alma humana. E por que os deuses são deuses e as pessoas são pessoas, a alma pode ensinar, a nós humanos, o que é a verdade.

Porque somos humanos e não deuses, nenhum de nós consegue jamais conhecer completamente a verdade. É por essa razão que teremos de a buscar repetidamente, todos os dias: e perante tudo o que encontrarmos teremos de perguntar: é verdade ou não? É útil ou inútil? Realça a nossa dignidade ou despoja-nos dela? A verdade exige-nos que distingamos entre o bem e o mal. Mas o que é a verdade? O que é o bom? O que tem significado? ...

Luís Campos (Biblioteca)

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