quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A apologia de Sócrates (II)

Aristócles era um jovem ateniense. Tinha uma proveniência social favorecida pelo elevado estatuto social e económico da sua família. Pertencia já como membro do júri num tribunal público da cidade. Aristócles tinha dotes oratórios significativos, uma inteligência perspicaz e uma capacidade elevada na escrita, com um estilo admirado. Aristócles era ainda de uma formosura notável, alto e atlético. Tinha, pois, o favor dos deuses e o seu futuro seria o que a sua família já detinha - desempenhar um papel importante na política de Atenas.

Aristócles ouvira falar de Sócrates e dos diálogos deste que colocavam questões relevantes. Porque seguir uma carreira política, porque seguir as aspirações que a família para ele tinham?
Dos diálogos com Sócrates, Aristócles pressentiu a emergência de dúvidas, a descrença em convicções construídas em quase três décadas de vida. Aristócles procurou em Sócrates respostas para vencer o vazio de uma vida mergulhada em ilusão. Sócrates que não se considerava professor encaminhou-o para o mundo, para as guerras de Atenas. Aristócles voltou três anos mais tarde e confidenciou tudo o que tinha aprendido. 
Da guerra e da violência, da cobardia e da coragem não retirara nenhuma ideia mais certa da que lhe confirmava que a nobreza de espírito que os filósofos procuravam, não residiam nem na inteligência, nem na riqueza. Percebeu em palácios e em recepções que os governos das cidades não ofereciam preocupação para os mais carenciados e que governava nas pessoas pequenos sentimentos, pequenas certezas, a normalidade de que a realidade é aceite como é, sem discussão. Aristócles reparou o domínio em palácios do mais ocioso e da dificuldade em discutir a vida de um modo crítico.

Aristócles confessou a Sócrates que lhe tinham dado um nome nas suas viagens. Platão, "o espadaúdo", o que Sócrates achou maravilhoso, pois significava que Platão tinha cumprido um ponto essencial da existência - conhecer a vida, vivê-la primeiro, para depois a compreender. E acrescentou-lhe um ponto essencial da coragem socrática - questionar dentro da alma regularmente, o modo correto de viver, procurar a verdade e compreender que as palavras também podem ser vazias, instrumentos de eruditos, doutores da ignorância. Platão ouvia-o falar da importância de reter na alma humana o mais importante, o que não pode ser esquecido, o conhecimento que fazemos de nós próprios.

Platão mostrou-se preocupado com o amigo. Sentiu que a sabedoria dos mais influentes, declarada como ignorância era uma ousadia, que a discussão significativa de palavras como "coragem", ou "justiça" o condenariam numa cidade de sábios. Platão sentiu que as palavras de Sócrates, o seu método de raciocínio faria perder significado à vida de tantos na cidade de Péricles. Pareceu-lhe que essa heurística socrática de procurar o modo correto de viver, a nobreza de espírito de quem quer dotar as palavras de significado evidenciariam a  mentira de uma cidade. Platão sentiu que devia registar a memória do seu amigo, nesse julgamento prestes a iniciar-se. 

Luís Campos (Biblioteca)
A partir de um texto, "Coragem", de Rob Riemen.
Imagem, Platão e Sócrates. A escola de Atenas. Rafael.

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