quinta-feira, 30 de junho de 2016

Para ires lendo... e pensando...(XII) - por este ano -

Era uma vez, na velha China, um jovem príncipe que, por morte do seu pai, se converteu em imperador. Tinha uma nobre ambição, que não é tão frequente como deveria sê-lo entre os governantes: queria ser perfeitamente justo e fazer feliz o seu povo. Para isso, decidiu documentar-se exaustivamente sobre a história do país, a sua geografia, os seus diferentes costumes e religiões, os seus recursos naturais, os últimos estudos científicos em matéria de psicologia e de sociologia, os progresso tecnológicos, etc. ...

Enfim, queria saber absolutamente tudo sobre o modo como tinham vivido ontem e viviam hoje os seus súbditos, a fim de acertar em governá-los amanhã da melhor maneira possível. Nessa intenção, reuniu os sábios mais destacados do seu reino e solicitou-lhes um relatório enciclopédico completíssimo, capaz de esclarecer todas as suas dúvidas. Os especialistas deitaram imediatamente mãos à obra, o mais conscienciosamente possível. Passaram-se meses, passou um ano e, depois, outro e outro ainda...

Dez anos mais tarde, o comité de sábios compareceu perante o imperador, carregando com dificuldade trinta enormes volumes com vários milhares de páginas cada um deles e contendo o resultado das suas investigações. Mas o imperador, já mergulhado nas mil ocupações das suas inadiáveis tarefas de governo, impacientou-se perante uma obra tão prolixa: "Não tenho tempo para ler tantos calha,aços! Preciso de uma coisa mais resumida. E despachem-se, porque tenho urgência em dar início às reformas pendentes!" Os cientistas retiraram-se com respeitosas mesuras e deitaram mãos ao trabalho.

Entre discussões e emendas, gastaram outros dez anos, no termo dos quais voltaram a aparecer ao monarca, transportando quinze copiosíssimos volumes. Na circunstância, o imperador estava a tentar sufocar uma rebelião nas Províncias do Norte e combatia na Fronteira do Leste contra um vizinho hostil, enquanto se esforçava por dar remédio aos efeitos desastrosos das grandes inundações do Sul. "Onde querem que eu vá arranjar tempo para estudar tanta livralhada? Depressa, preparem-me um resumo utilizável e não me façam perder tempo em pormenores supérfluos!" 

Queixando-se da dificuldade de semelhante exigência, os eruditos voltaram a retirar-se e, por meio de esforços enormes, conseguiram coligir todo o seu saber num grande único tomo, monumental e congestionado. O mal foi que a façanha lhes tomou outros dez anos e, quando regressaram triunfantes ao palácio, o outrora jovem príncipe estava já no seu leito de morte. A agonia não é um momento ideal para quem queira informar-se, pelo que lhes pareceu claramente inadequado deixarem discretamente a enciclopédia na mesinha de cabeceira do moribundo. Mas o director do comité de sábios não se resignava a deixar completamente por cumprir a tarefa encomendada: aproximou-se da cabeceira do imperador e sussurrou-lhe ao ouvido esta mensagem definitiva: "Os humanos nascem, amam, lutam e morrem."  

André Bueno. (2009). Cem Textos da História Chinesa.

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