domingo, 19 de junho de 2016

Frankstein - uma leitura de um mito

Franskstein de Mary Shield introduz-nos muitas questões. Conduz-nos a uma atmosfera de frio denso, o Árctico, um mar de neve e gelo que se ergue em pequenos picos, tornando toda a luta humana pequena e quase invisível. Uma paisagem de silêncio, e também de um frio que devolve um sentido de imortalidade, pois o frio conserva e nada se corrompe. O livro termina nesse ambiente, onde Frankstein persegue o ser que criara, um ambiente de gelo, onde encontra uma personagem, um capitão de barco, onde pela sua história contada recupera a sua vida em momentos finais de existência.  

O gelo e o frio são grandes símbolos de um livro que também coloca os sonhos de Robert Walton, como explorador  do Árctico e do seu desejo de compreender o funcionamento das bússolas que se magnetizam nos pontos mais a norte. É numa procura para encontrar uma passagem no Noroeste do Árctico que também o livro nos confronta entre o sonho individual e o desejo de salvar uma vida que encontra, justamente Frankstein. O ambiente de gelo do Árctico constrói paralelamente uma atmosfera em que compreendemos a congelação como forma de fim e de recomeço. O frio que destrói formas de vida, e que também as faz renascer, um frio que se impõe como uma atmosfera que supera a corrupção dos organismos, pois conserva tudo, um frio cristaliza o tempo.

Mary Shelley criou num tempo em que as mulheres tinham pouca influência na sociedade um livro que nos fala de poderes sobre-humanos, da própria criação da vida que junta ideias que ela recolheu no seu tempo sobre electricidade e alquimia. Frankstein também é um seu filho, ela que perdeu os seus filhos e a sua própria mãe no seu nascimento. O livro conduz-nos a essa possibilidade de dar vida e liga-nos à ideia de criação. E nesta a sua ideia central é a de nos questionar, que responsabilidade tem um criador para com a sua criação. No fundo não sendo nós criadores, que tipo de empatia e responsabilidade nutrimos uns pelos outros? Nas criações humanas possíveis e reais o que podemos fazer para impedir esse individualismo, essas formas em que acrescentamos solidão aos outros.

A abordagem de Mary Shelley a esse individualismo tirou-o do seu marido com quem vivia e com o qual obteve um sentido magoado da vida, uma forma de egoísta como ele se conduzia na vida. Há no livro essa ideia de que a criação descuidada de atenção torna o que foi criado em algo que pode conduzir a um elevado sofrimento. Nesse desinteresse encontra-se a fraqueza moral de Frankstein que afastou a emoção, a companhia e o amor da criatura criada. O século XIX e XX discutiram essa consequência de como o comportamento é influenciado pelo ambiente em que é criado e pela educação. O crime da criatura é uma resposta para o seu esquecimento.

É numa solidão humana que acabam por perecer médico e criatura, pois esse esquecimento levou ao sofrimento do médico e aos crimes de Frankstein. Este livro, que foi muito adulterado pelo cinema oferece-nos no fim uma ideia sobre a criação que todos fazemos, a dimensões diferentes e que contempla o "eu", os seus limites. A criatura não tinha uma dimensão sua, pessoal, não se reconhecia em si, não transportava o seu "eu". Afinal em cada um, em cada criação, um artista, um deus, ou qualquer humano o que se pode construir? Quais são os seus limites?

Fonte: Rebeca Solnit. (2016). "3", in, Esta distante proximidade. Lisboa. Quetzal.

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