segunda-feira, 27 de março de 2017

Para nos tornarmos humanidade…

Havia um pensador brasileiro, que faleceu há alguns anos, o Milton Santos, que dizia há alguns anos, que dizia que a humanidade ainda não começou. E eu agarrei muito essa ideia dele. Porque é muito mais esperançoso acharmos que a humanidade é um projeto que está adiado, do que achar que a humanidade é isto. Por isso, eu prefiro acreditar… Eu penso assim: eu vejo a humanidade como uma construção cultural e intelectual, e não exatamente… um animal que subitamente se mostra mais inteligente. A humanidade, ela difere deste animal. 

E, por isso, eu poderia estar aqui sentado exatamente com este aspeto e não ser, para mim, não ser um homem, não ser gente. E este é o grande equívoco que pode retirar a esperança, digamos assim a uma grande parte das pessoas, que é o julgarem que ao nascermos assim, e vestirmos uns casacos azuis bonitos, nos confere imediatamente… a condição de humano. A humanidade é uma construção, de coletivo, de proteção de coletivo, que difere do bicho que somos. E, por isso, se você quiser, imagine que o corpo é uma espécie de tela. E nós vamos passar nela um filme. A humanidade é esse filme. Não é a tela. E, por isso, você projeta nessa tela, eventualmente um bom filme ou um mau filme. 

A Construção em que eu acredito, é aquilo que eu acho que justifica até a defesa da espécie, porque nós somos muito virados para a espécie. Nós achamos que ser gente é uma maravilha, ser galinha é uma coisa destituída de dignidade. Mas por quê? Só porque nós podemos achar alguma coisa, a galinha eventualmente não se expressa… Por mais ridículo que seja o bicho, se pudesse se expressar talvez tivesse alguma coisa para dizer que nos surpreendesse. Mas tudo bem, eu até como animais, adorava não comer, mas como animais. 

A questão é que eu acho, seguramente, aquilo que nos justifica como dignidade, digamos assim, como gente digna, é exatamente a propensão para o coletivo. E, por isso, se nós perdermos a lógica de proteção coletiva, porque eu acho que nós somos eminentemente plurais… Ninguém é apenas individualmente alguém. Toda a nossa individualidade é uma espécie de reduto de coletivo. Porque você não nasce capaz de nada, você nasce, procede, porque alguém, por algum motivo, cuidou de você. 

E por isso eu acho que em última análise, você, aquilo que você é, depende do que os outros também são. E por isso a sua identidade vai ser sempre uma questão coletiva, nunca vai ser uma questão absolutamente individual. Quando você acha que chegou a um estado absolutamente maduro de ser quem é, isso significa eventualmente que você atingiu um equilíbrio com os outros, porque essa é a única maturidade. Se você não estiver em equilíbrio com os outros, você deixou de ser gente.

Valter Hugo Mãe, “Para nos tornarmos humanidade”, in Fronteiras do Pensamento. São Paulo. 2016. Imagem: A criação de Adão, Miguel Ângelo, 1508-1512, Capela Sistina, Roma.

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