Havia
um pensador brasileiro, que faleceu há alguns anos, o Milton Santos, que dizia
há alguns anos, que dizia que a humanidade ainda não começou. E eu agarrei
muito essa ideia dele. Porque é muito mais esperançoso acharmos que a
humanidade é um projeto que está adiado, do que achar que a humanidade é isto.
Por isso, eu prefiro acreditar… Eu penso assim: eu vejo a humanidade como uma
construção cultural e intelectual, e não exatamente… um animal que subitamente
se mostra mais inteligente. A humanidade, ela difere deste animal.
E, por isso,
eu poderia estar aqui sentado exatamente com este aspeto e não ser, para mim,
não ser um homem, não ser gente. E este é o grande equívoco que pode retirar a
esperança, digamos assim a uma grande parte das pessoas, que é o julgarem que
ao nascermos assim, e vestirmos uns casacos azuis bonitos, nos confere
imediatamente… a condição de humano. A humanidade é uma construção, de coletivo,
de proteção de coletivo, que difere do bicho que somos. E, por isso, se você
quiser, imagine que o corpo é uma espécie de tela. E nós vamos passar nela um
filme. A humanidade é esse filme. Não é a tela. E, por isso, você projeta nessa
tela, eventualmente um bom filme ou um mau filme.
A Construção em que eu
acredito, é aquilo que eu acho que justifica até a defesa da espécie, porque
nós somos muito virados para a espécie. Nós achamos que ser gente é uma
maravilha, ser galinha é uma coisa destituída de dignidade. Mas por quê? Só
porque nós podemos achar alguma coisa, a galinha eventualmente não se expressa…
Por mais ridículo que seja o bicho, se pudesse se expressar talvez tivesse
alguma coisa para dizer que nos surpreendesse. Mas tudo bem, eu até como
animais, adorava não comer, mas como animais.
A questão é que eu acho,
seguramente, aquilo que nos justifica como dignidade, digamos assim, como gente
digna, é exatamente a propensão para o coletivo. E, por isso, se nós perdermos
a lógica de proteção coletiva, porque eu acho que nós somos eminentemente
plurais… Ninguém é apenas individualmente alguém. Toda a nossa individualidade
é uma espécie de reduto de coletivo. Porque você não nasce capaz de nada, você
nasce, procede, porque alguém, por algum motivo, cuidou de você.
E por isso eu
acho que em última análise, você, aquilo que você é, depende do que os outros
também são. E por isso a sua identidade vai ser sempre uma questão coletiva,
nunca vai ser uma questão absolutamente individual. Quando você acha que chegou
a um estado absolutamente maduro de ser quem é, isso significa eventualmente que
você atingiu um equilíbrio com os outros, porque essa é a única maturidade. Se
você não estiver em equilíbrio com os outros, você deixou de ser gente.
Valter
Hugo Mãe, “Para nos tornarmos humanidade”, in Fronteiras do Pensamento. São
Paulo. 2016. Imagem: A criação de Adão, Miguel Ângelo, 1508-1512, Capela
Sistina, Roma.
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