sexta-feira, 20 de maio de 2016

Para ires lendo... e pensando...(X)

Para compreender bem o poder político, e derivá-lo da sua origem, devemos considerar em que estado se encontram por natureza os homens, o qual é um estado de perfeita liberdade para ordenar as suas ações, dispor das suas posses e pessoas, como bem lhes aprouver, dentro dos limites da lei natural, sem ter de pedir licença, nem depender da vontade de qualquer outro homem.

É também um estado de igualdade em que todo o poder e jurisdição são recíprocos, não tendo um homem mais do que outro; não há nada mais evidente do que criaturas da mesma espécie e categoria, que nascerem para gozar dos mesmos benefícios da natureza e para usar as mesmas faculdades, deverem também ser iguais entre si, sem subordinação, nem sujeição...

Embora se trate de um estado de liberdade, não é contudo um estado de licenciosidade. Apesar de o homem nesse estado gozar de uma liberdade incontrolável para dispor da sua pessoa e de que possui, não goza da liberdade para se destruir a si mesmo, nem nenhuma criatura que esteja na sua posse, a menos que um fim mais nobre do que a simples preservação o exija. O estado de natureza é governado por uma lei natural a que todos estão sujeitos. 

A razão, que é essa lei, ensina a humanidade inteira que a consultar que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar outro na sua vida, na sua saúde, na sua liberdade, nem nas suas posses. Pois sendo todos os homens a obra de um Criador omnipotente e infinitamente sábio, sendo todos os servos de um único Senhor soberano enviados ao mundo por sua ordem e para fazer o seu trabalho, são propriedade de quem os criou e foram destinados a durar enquanto lhe aprouver, e não enquanto aprouver a outro homem.

John Locke. (2006). Dois Tratados do Governo Civil. Lisboa: Edições 70, Cap. II; págs. 233 e 235.

Sem comentários:

Enviar um comentário