sábado, 16 de abril de 2016

Para ires lendo... e pensando...(VIII)

Tu és livre e deves portanto libertar-te.
     A liberdade começa em saberes o que te oprime. Não bem em haver opressão, mas em reconhecê-la como tal. Porque pode haver opressão e tu julgá-la uma fatalidade; porque pode haver opressão e convencerem-te de que é necessária para a liberdade que te prometem.
     Só a liberdade absoluta é um perpétuo horizonte, para lá de todos os horizontes, que é o horizonte do impossível. Mas é nos limites humanos, ou seja, do possível. Por isso não aceites que te inventem a liberdade mas apenas que te ajudem na tua libertação. Não admitas que ninguém seja livre por ti, mas assume tu próprio essa difícil dignidade. Reduz ao máximo o baldio para os outros, para que sejas tu ao máximo em tudo aquilo que fores. Não consintas que alguém seja a tua própria voz e chame à sua vontade a vontade que é a tua.
     Ninguém é livre sozinho, porque o é apenas com os outros. Assim, só com os outros tu o poderás ser. Mas ser livre com os outros não é serem-no os outros por ti.
     Que a fronteira da tua liberdade te não seja a porta da casa para que tu sejas livre dentro e fora dela. Que a tua liberdade comece no pão que te espera à mesa e persista no desconhecido que te espera na rua; na palavra que pensaste e naquela que disseste; na paz do teu sono e na agitação da vigília; naquilo que és para ti e no houveres de ser para os outros; naquilo que és tu e naquilo que mostras ser.
     Constrói a tua alegria, mesmo a tua amargura, e não esperes que te digam se o estar triste ou alegre está previsto num programa. Que a distância de ti a ti seja por ti preenchida e nunca pela polícia ou um director de consciência - seu irmão.
Tu és livre. É portanto do teu dever libertares-te.

Vergílio Ferreira (1980). Conta-Corrente (1969-76). Lisboa: Livraria Bertrand, pág. 217.

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