sábado, 20 de fevereiro de 2016

Preparando um caminho - O nome da Rosa

"A rosa antiga permanece no nome. Nada temos além do nome". 
(Umberto Eco, O nome da Rosa)

O Nome da Rosa de Umberto Eco é o seu livro de ficção mais marcante. Com ele pode construir uma narrativa que sempre o interessou, escrever os os signos que representam diferentes formas de linguagem e o modo como se apreende o mundo. Juntou, na sua narrativa, elementos históricos, o contexto cultural da Baixa Idade Média e as influências do platonismo nas ideias que o cristianismo tinha desenvolvido entre os séculos XI e XIII sob a influência de Santo Agostinho. O Nome da Rosa introduz o mistério da descoberta e coloca-nos perante a influência das ideias de Aristóteles para a construção de um caminho que levaria à construção do método científico.

A narrativa, que decorre no século XIV, inicia-se com o aparecimento de mortes inexplicáveis num mosteiro beneditino em Itália. Os monges mortos, que trabalhavam numa biblioteca, trazem uma marca do que se acreditava ser uma maldição demoníaca, os dedos roxos. A Igreja designa um padre que investigará o assunto e é estabelecido o tribunal inquisitório. Às portas do século XV, o mundo medieval está em colapso. O feudalismo desintegrava-se e em diferentes pontos uma atividade comercial fazia nascer formas embrionárias de um capitalismo comercial, introduzindo a moeda e promovendo o aparecimento de um grupo social novo, a burguesia.

O renascimento italiano, nascido em Florença e a Reforma de Lutero, no século XVI, dariam outra dimensão às monarquias absolutas e fariam nascer um novo mundo, uma renovação cultural que tornaria possível o nascimento da Ciência e a emergência do método científico. Esse novo mundo procurava recuperar a matriz greco-romano e os seus valores racionais, assim como a sua dimensão antropocêntrica. O Nome da Rosa prepara esse caminho, revelando a desintegração do teocentrismo e do dogmatismo medievais. Revela-nos, ainda, o discurso de poder em que a Igreja conolidava a sua ideologia teocêntrica.

Guilherme de Baskerville é a figura de um novo tempo. É uma figura da Igreja que nos apresenta uma visão mais tolerante, mais humanista e racional. As suas investigações e respostas são a chave da transição para um mundo novo. O Nome da Rosa, é no fundo, uma metáfora filosófica que procura encontrar a verdade e explicar um mistério. E fá-lo já com as ideias dos séculos seguintes, empiricamente.
Na sua investigação, ele não parte de ideias pré-concebidas, mas examina, questiona, e analiticamente, encontra uma resposta. A filosofia medieval, a do período mais forte foi influenciada por Santo Agostinho. A Alta Idade Média tentou conciliar o cristianismo e alguma da herança grega, mas apenas quando esta fosse interessante para a cultura medieval. Este período foi construído através de uma nova leitura de Platão com o cristianismo. Os mistérios da Biblioteca eram ainda essa junção desses dois mundos, onde se procurava saber se corpo e alma estavam unidos ou separados.
Em, O Nome da Rosa, estamos justamente perante uma Biblioteca secreta, pois só eram acessíveis as que tinham uma interpretação de acordo com o cristianismo medieval. Entre os textos proibidos, estão justamente os de Aristóteles. Os livros como fonte de conhecimento e de poder e o riso, como forma de desobediência ao dogmatismo estabelecido eram condições de desintegração de um mundo. A tradução do árabe dos textos de Aristóteles dariam outra dimensão às suas ideias que reformulariam a metafísica. Essas traduções invocavam valores novos, o empirismo e o materialismo. Os dedos azuis eram tão só o envenenamento de livros que não deviam ser lidos. Era preciso impedir uma nova forma de ver o mundo. É desse caminho atribulado que fala O Nome da Rosa.
O caminho que coloca em oposição os Franciscanos e Dominicanos e onde se compreende o papel da Inquisição na regulação do mundo cultural medieval. O caminho que separava um modelo monoteísta de ver o mundo daquele que escolhia a interpretação, a análise racional. O caminho que conduziria à indução que chegaria com a revolução científica do século XVII - o método científico. Por tudo isto se pode compreender o grande valor literário de O Nome da Rosa.
(Biblioteca - Luís Campos)

Sem comentários:

Enviar um comentário