Quando pensamos em belo sabemos que
nele, como tudo o que envolve a vida humana é relativa aos tempos sociais e
culturais. O que hoje achamos belo amanhã muda de sentido, pois os códigos de
beleza alteram-se. E, no entanto ao olharmos para a Vénus de Milo, ou o Discóbolo de Mirone, expressões de séculos encontramos ainda ali um ideal de
belo, uma representação que achamos bonito, tal como o podemos ver num quadro
de Vermeer ou numa natureza de Monet. Encontramos aí uma representação
substantiva de belo, ainda que saibamos que essa aquisição do belo se fez pelos
valores sensoriais, algo a que acedemos de uma forma diversa quando tentamos
definir o Bem ou a Verdade.
Quando falamos do belo como experiência
sensorial perguntamo-nos como essa aquisição se faz em cada um de nós. É pela
educação, ou apenas por algo que cada um de nós pode ou não ter incentivado
como uma procura. As crianças são um exemplo muito significativo, dessa forma
de encontrar um modo de comunicação, como se essa observação fosse um diálogo
entre nós e a arte, ou com a simples
observação de uma paisagem, da leitura de um livro, algo a que poderíamos
chamar uma Graça. O belo que se apresenta nessas dimensões, é como algo que
está para lá da compreensão.
O que compreendemos num templo budista?
Podemos sobre isso dar aquela resposta que João Bénard da Costa (1) contava uma
história interessante, a de que uma criança ao ler excertos dos Lusíadas dizia,
"Eu não percebo nada disto, mas isto é tão bonito". E talvez que em
muitas circunstâncias o belo seja não só o que ultrapassa a compreensão, ou que
está para além dela, mas seja também uma forma de encontro. Um encontro com
algo de maravilhoso e que se realize pela incompreensão.
A visita a um templo
oriental, como o templo dourado em Kyoto provoca um sentido diferente de
perceção do espiritual, mas ainda assim achamo-lo belo. E, todavia
compreendemos a sua funcionalidade? Não a percebemos e
talvez seja isso que o belo seja, o que não se percebe tão bem, ou se percebe
menos e, justamente porque a compreensão é do nível do mistério. Podemos
visitar o Epidauro, conhecer as características técnicas daquele espaço, mas a
transcendência pode não nos contemplar. E assim o que fazemos é o estudo da
Estética, em que relacionamos a representação do belo com as ideias filosóficas
de um tempo. E aqui temos muitas possibilidades.
Desde os Gregos que a
ideia de belo evoluiu. A sabedoria foi a primeira forma de belo, foi nas
palavras dos poetas que ela primeiro se definiu, com o que conhecemos da obra
de Homero e Hesíodo.
O belo relaciona-se com
essa dimensão essencial de todos, a vida ainda. Como a
podemos alimentar? Com que palavras? Com que sabedoria habitaremos a vida e a
sua essência, o seu coração? Como a entendemos entre uma ideia secular de
destino, um grito de ar, de visão entre momentos escassos, esse nada que varia
entre promessas e nenhuma crença, apenas um fio de escuro. Parece pois
essencial ter algum pensamento, descobrir na beleza uma sabedoria para a
construir, para a edificar. A palavra sabedoria conduz-nos à ideia de uma
aprendizagem.
Sophia criou sem dúvida uma ideia de belo
que retomava valores clássicos, mas que os afirmava em novos tempos. Fazia a
ligação entre o Belo e o Bem. Com ela a experiência estética transforma-se numa
experiência ética e deu-nos essas palavras essenciais, a da relação justa entre
as coisas e os homens. É dessa construção de um valor inteligível da vida, a que o belo se encontra associado. É dessa viagem desde os Gregos aos inícios da
modernidade que aqui tentámos falar durante alguns meses.
(1) João Benard da
Costa, Ciclo de conferências
"Ecce Homo", Lisboa, Maio de 2007.
Imagem - Teatro do Epidauro - séc. IC a. C., civilização grega, nas margens do mar Egeu.
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