sábado, 12 de dezembro de 2015

O Épico de Gilgamesh - Da Imortalidade

Na antiga Mesopotâmia, (hoje o atual Iraque) nasceram as primeiras formas de uma revolução urbana que faria evoluir os primeiros povoados para formas mais concentradas de aglomeração, onde foram determinantes a metalurgia, a divisão do trabalho, a organização de um poder sacralizado e a invenção da escrita. Foi entre os rios Tigre e Eufrates que (entre 3000 - 3.100 a.C.) na Suméria se ergueu em cidades como Ur ou Uruk uma civilização que evoluiu dos seus agricultores, sacerdotes e escribas para os sonhos de soberania de um poder sacralizado. É nesta atmosfera que nos chega o mais antigo documento escrito da Humanidade - A epopeia de Gilgamesh.

Este poema épico foi descoberto em meados do século XIX na região norte do Iraque, em placas de argila e data do período entre entre 2700 a 750 a.C. Conta a história de um mítico rei chamado Gilgamesh e que a arqueologia data como tendo reinado por volta  de 2750 a.C em Uruk, a sul do atual Iraque. É um poema que se baseia em lendas, histórias e mitos, que tiveram como ponto de nascimento a civilização da Suméria. O poema junta elementos espirituais desta civilização com alguns dados históricos e factos. A epopeia foi difundida por civilizações posteriores, estando ligada aos povos da Mesopotâmia.

O poema de Gilgamesh tem como personagem principal e seu herói, a figura de Gilgamesh, que foi o fundador da cidade de Uruk, que reinou na primeira metade do III Milénio a.C. O poema relata-nos a existência de Gilgamesh, um rei déspota e cruel. Descontentes com o seu rei, o povo pede à deusa Arunu que crie um homem que lhe faça frente. Acedendo ao pedido do povo, a deusa cria a partir de lama, e criado entre os animais selvagens, um homem de nome Enkidu. 

Enkidu entra em confronto com o rei, mas acabam por se tornar amigos, e ambos passam a combater juntos inimigos mitológicos, em que se salienta Ishtar, deusa dos bosques. Ishtar enamora-se por Gilgamesh embora este não lhe corresponda. A deusa enfurecida, envia o touro do céu para destruir o rei e a sua cidade. Enkidu derrota o touro, mas morre devido a uma maldição envida por Ishtar sobre ele.

Desgostoso com a morte do amigo, Gilgamesh inicia uma viagem com o intuito de procurar Utamapishtim, o único sobrevivente do dilúvio e detentor do segredo da imortalidade. Quando o encontra este revela-lhe que o tesouro da imortalidade se encontra no fundo do mar, materializado numa planta marinha. Gilgamesh lança-se nas profundezas do mar e encontra a planta. No regresso a casa, por intervenção de uma serpente perde o tesouro, podendo ela mudar de pele e continuar a viver e o “HOMEM” perde o segredo da imortalidade e continuará a ser mortal para toda a eternidade.

Encontramos no poema de Gilgamesh elementos que ligam o real e o imaginário, a lenda, a magia e a realidade. O poema de Gilgamesh pode ter sido uma narrativa construída por sacerdotes para garantir a permanência do rei na sua cidade. É, no entanto o documento escrito mais antigo da História da Humanidade e é, sobretudo um material de grande valor, pois constrói a ligação do mito, que é uma das formas supremas com que a História dialoga com as diferentes formas  de consciência coletiva. O teatro da Cornucópia está a representar até dia 13 de dezembro esta epopeia, onde procura ler essa pedra filosofal comum a muitas épocas -  A Imortalidade.

Luís Campos (Biblioteca)

3 comentários:

  1. Tive a oportunidade de ver a encenação "Da Imortalidade" no Teatro da Cornucópia, por convite da minha prima que entrava na peça.
    Confesso que foi muito difícil compreender todas as mensagens que, não só o autor da peça, como o próprio encenador, queriam transmitir. Porém, aquilo que mais me marcou foi realmente a origem da amizade inesperada destes dois personagens, Gilgamesh e Enkidu, e a procura da deusa que vivia na Floresta "mais perigosa do mundo". Estes dois companheiros revelam-nos não só o valor do amor, como o da oportunidade, do conhecimento e da coragem. Ambos nunca desistem um do outro, nem da sua missão. O fim é trágico e deixa-nos em aberto algumas questões cujas respostas concretas não obteremos. Resta-nos agora a nós, leitores e público, imaginar e concluir as próprias interrogações.
    A peça "Da Imortalidade" tem um sentido muito singular, que certamente não pode ser deixado despercebido. Congratulo não só o encenador Nuno Nunes, como também os actores por nos transparecerem uma mensagem a partir de uma epopeia cronologicamente antiga, que pode plenamente integrar os dias de hoje. Associamos a busca da imortalidade ao longo da nossa vida; mesmo nas pequenas coisas e atitudes do quotidiano. O simples desejo da inexistência da morte, tanto para os próprios como para os que lhes são mais íntimos, enche-nos a mente e a consciência interior de forma frequente. Afinal, quem nunca desejou ser imortal?
    Assim fez Gilgamesh. Talvez se tenha arrependido deste desejo quando perdeu o seu amigo, Enkidu, o único companheiro das aventuras e dos combates. Talvez a viagem à Floresta tenha sido o seu maior erro. Ou talvez não, porque se essa não tivesse acontecido, não estaríamos hoje aqui, milhares de anos depois, a filosofar sobre o assunto.
    Aquelas três horas de representação (possivelmente nove, segundo o que o encenador pensara no início), que nesse dia me entediaram bastante, transformaram-se numa reflexão mais intensa e profunda, transpondo uma mensagem vanguardista e subjectiva em diversos modos. E é esta que certamente usarei no meu presente e futuro, e no daqueles que me rodeiam e acompanham.
    Penso que trabalhar excertos desta obra, nomeadamente nas aulas de Filosofia, era uma óptima ideia. Poder-se-ia salientar as ideias e mentalidades mais importantes e características, contrastando a época em que a obra terá sido escrita e a nossa actualidade, identificando as semelhanças e diferenças.
    Deixo esta proposta a quem a quiser seguir.

    Mariana Mateus Pereira

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    1. A questão da imortalidade pode mesmo ser a problemática de um mês. Boa reflexão Mariana, gostei muito.

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