sábado, 12 de dezembro de 2015

Manhattan - O valor da integridade

Yale: Bem, eu não sou um santo, está bem?
Isaac: Mas és demasiado brando contigo próprio, não percebes isso? Sabes, o teu problema é esse, resume-se a isso. Tu racionalizas tudo. Não és honesto contigo próprio. Dizes que queres escrever um livro, mas afinal acabas por preferir comprar um Porsche, estás a ver? Ou enganas um bocadinho Emily ou mentes-me um bocadinho e, não tarda nada, estás à frente de um comité do Senado a dar-lhes nomes, a denunciar os teus amigos!
Yale: Tens tanta mania de que és virtuoso, sabes? Nós somos apenas pessoas, somos só seres humanos, sabes? Tu pensas que és Deus!
Isaac: Tenho de ter algum modelo!
Yale: Bem, não podes viver dessa maneira, sabes? É tudo tão perfeito.
Isaac: O que dirão as gerações futuras sobre nós? Meu Deus, um dia vamos ser, sabes?, vamos ser como ele [apontando para o esqueleto]. Quero dizer, estás a ver?, provavelmente ele era um dos colunáveis. É provável que ele dançasse e jogasse ténis, e tudo. Agora olha, é isto que nos acontece. É muito importante ter alguma integridade pessoal. Um dia, eu vou estar pendurado numa sala de aula, e quero ter a certeza de que, depois de "bater a bota", as pessoas me vão ter em boa consideração." (Manhattan).

Em Manhattan, filme marcante de Woddy Allen (1979) voltamos a tentar apresentar a relação que a Filosofia pode construir com o cinema. Um recurso, mas também uma formulação sobre questões essenciais que se colocam à vida e às opções de vida. Manhattan é um fresco sobre a cultura de Nova Iorque, um tempo específico, uma ideia cultural, uma memória, mas tem acima disso uma eternidade, pelas questões que coloca. A sua questão ou temática central é a Integridade.

Integridade é um conceito que se presta a alguma subjectividade. Muitas vezes se relaciona Integridade com consistência. É uma analogia perigosa, pois qualquer um pode seguir uma integridade profissional e não revelar consistência em relação a determinados erros morais. A procura de uma verdade consigo próprio pode igualmente disfarçar a concretização da integridade como virtude moral. Podemos em sentido inverso fazer uma analogia entre Integridade e teimosia. A sua diferença reside em verificar como positivo ou negativo em fazer ou não compromissos. Precisamos de uma definição mais rigorosa. 

Platão definia uma pessoa justa como alguém que construiu uma harmonia consigo própria estabelecendo uma ligação coerente e estável entre a razão, as emoções e a vontade. A Integridade poderíamos assim defini-la como algo que envolve uma totalidade psicológica, o que nos deixa de fora dos princípios de conveniência. A Integridade seria assim uma virtude e não um traço de comportamento. A Integridade pressupõe assim o questionamento dos princípios que moralmente sejam questionáveis. Assim, ela constrói uma certa objectividade, pois organiza-se por princípios morais, por onde desejos e e razão se harmonizam, ou vivem em harmonia. 

A cena descrita acima desmonta o significado da Integridade. A construção de gestos continuados correctos torna-nos virtuosos e a realização continuada do oposto dá-nos alguma perversão como pessoas (ideia Aristotélica de que o carácter se forma no tempo pelas acões e decisões tomadas). A discussão entre Yale e Isaac dá a oportunidade a Allen de mostrar que a formação do carácter com base numa continuação de habituação de conveniência revela os indícios de uma falta de Integridade. 

A questão ainda colocada neste excerto do mérito moral certificado pela maioria, o exemplo que é importante construir, não é aferido por ser feita por multidões sem referenciais, mas sim por pessoas com padrões apropriados para o fazer. A efemeridade da vida e o fim que todos teremos leva Allen a falar de um conceito próximo da filosofia socrática, o que deve ser uma boa vida? Uma pensada a procurar determinados valores, o que Allen aqui refere é justamente uma vida que supere o "dançar e jogar ténis", ou seja propõe um ideal maior para a vida, uma ideia mais reflectida sobre a dimensão de felicidade que devemos procurar. 

A Integridade como critério para uma vida bem vivida ou que merece ser vivida é um dos valores máximos de Manhattan, na ideia de que a aproximação entre razão e emoção permite construir uma harmonia psicológica total. Sem ela, apenas conflitos, insatisfação e incapacidade de assumir compromissos virtuosos e a vida reduz-se a uma efemeridade sem brilho. A própria história de amor entre Isaac e Tracy (no final do filme) é a prova interior que ele compreende ser a única forma de ultrapassar os seus conflitos interiores e assumir.se com uma pessoa mais completa. Em Manhattan Allen dá-nos um valor da Integridade que funciona como um critério geral para verificar o que somos moralmente. "Sermos tido em boa conta" é então isso, esse valor maior dado à Integridade, uma avaliação de princípios morais que contemple uma harmonia entre emoção e razão. Manhattan é assim por estas e outras razões um filme a ver. O link do take de abertura. Aqui.

Luís Campos (Biblioteca)

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