sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A imperfeição como arte de vida

Novos sábios proclamam a todo o instante a necessidade da perfeição, o ritmo burocrático das palavras ensinadas, domesticadas. Todo o sucesso de actos repetidos, padronização de comportamentos, uma procissão de “radicais do pouco” a vender-nos o ritmo do acabado, do domesticado, do caminho preventivo onde nunca encontras nem chama, nem alegria, nem entusiasmo, nem imaginação. É a nova religião da técnica, das sombras vendidas em feiras de fundamentalismo, a negação do caminhar, da possibilidade de ver, o compreender na suposição que nada se compreende. 
Nessa materialidade do número como grandeza existencial recordemos uma arte antiga amplamente desprezada no Ocidente dos grandes sucessos. A arte do Wabo Sabi, essencial no Japão há vários séculos e ligada ao Taoismo e ao Budismo. O templo Ginkakuji por motivos históricos tornou-se menos exuberante que o Kinkakuji e nele reside essa ideia de aceitar o que não é perfeito demais, o que parece incompleto. As cerimónias de chá (chanoyu) converteram em si essa ideia de que o menos pode significar mais. A arte do Wabo Sabi traz-nos esse olhar pelo silêncio, a poesia das coisas observadas, o afastamento de uma perfeição não encontrada. 
Nesta aceitação da imperfeição de que somos feitos, a natureza eleva esse lado espiritual, o sentimento do natural feito de momentos e metamorfose. Pensar esse caminho é uma forma de interrogar a vida, o sentido dela. É enfim convidar a Filosofia a entrar em nós. Maria Filomena Moder chamou a essa disciplina nascida com os gregos como um caminhar “aprender, curar-se, no sentido em que, efectivamente, é mais pela indeterminação do lugar onde se quer chegar, mais pela impossibilidade de traçar um limite preciso do que pela clara realização da actividade enquanto fim, que aceitamos que filosofar seja como viver ou ser feliz” (1)Nada mais decisivo do que cultivar na vida um cuidado, uma sabedoria que discuta o que é justo e  verdadeiro. 
A arte do Wabi Sabi sabe que cultiva as flores com a beleza que a natureza concede estações do ano, flores em alegria de cores, ou folhas caídas em tardios Outonos. E ainda assim, dessa manifestação de vida apenas se pode amar esse encontro de formas fluídas e cores diversas, pois “só se pode amar aquilo que não se possui” (2). A arte do Wabi Sabi procura assumir a imperfeição do que vivemos. São sua expressão as artes japonesas da Ikebana (arranjo floral), dos jardins zen dos bonsai e da cerâmica japonesa e da sua cerimónia do chá. A Filosofia como disciplina do pensamento é igualmente uma aceitação da imperfeição e o artesanato sábio que procura a natureza do que é humano. A expressão do amor. 
Nessa arte da imperfeição, os detalhes da vida, do observado, compreendido e sentido, a aceitação do que é inevitável na nossa natureza e a valorização do que caracteriza  o Cosmos. A imperfeição é o sentido mais autêntico do que somos. A natureza humana vive da compreensão e da aceitação do belo nos instantes de uma vida entre instantes de imperfeição que compõem o mundo. Entre estas duas áreas de influência da Filosofia encontramos formas de ressuscitar o silêncio num mundo apressado, pouco dado a reconhecer a imperfeição e a fazer dela uma arte de vida.
(1; 2) –  Maria Filomena Molder. (2003). A Imperfeição da Filosofia. Lx: Relógio d´Água, Imagem: © – http://www.ikebanahq.org.

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