sábado, 23 de janeiro de 2016

Para ires lendo... e pensando...(III)

"Ainda que os Estados observassem perfeitamente os pactos que celebram entre si, continuaria a ser lamentável que o uso de tudo ratificar por meio de um juramento religioso tenha entrado nos costumes - como se dois povos separados por um breve espaço, somente por uma colina ou por um rio, não estivessem unidos por laços sociais assentando na própria natureza - porque esta prática faz com que os homens acreditem ter nascido para serem adversários ou inimigos, e que têm o dever de trabalharem para a sua recíproca perda, a menos que que os tratados os impeçam. (...) Pelo contrário, ninguém deveria ser considerado inimigo, a menos que tivesse sido causa de um dano real. A comunidade de natureza é o melhor dos tratados e os homens estão mais íntima e fortemente unidos pela vontade de se fazerem reciprocamente o bem do que por pactos, mais vinculados pelo coração do que pelas palavras."

Eduardo Galeano definiu Utopia como aquilo a que nunca chegaremos, mas a energia que nos fará aproximar de um objetivo, o que nos fará andar. A sugestão de uma sociedade que possa cumprir a felicidade humana, ideia de Utopia de Thomas More foi imaginada igualmente por outros. Platão na República, as palavras de Savaranola ou de Saint Just já o tinham proposto. Tudo histórias que caminharam para o terror. George Orwell, Aldous Huxley ou Ray Bradbury deram conta desse inferno construído a partir de ideias de sonhos que foram essencialmente distopias. As Utopias naquilo que formalizaram nunca conseguiram atender às necessidades do humano. 

Thomas More nunca definiu um caminho, mas propunha sim uma necessidade de lutar pacificamente pela dignidade humana. Thomas More não definiu um modelo a impor, mas a necessidade de criar um caminho livre e aceite pela comunidade. A repartição da riqueza e do esforço conduz Thomas More para um sentido crítico de liberdade. Tal como em Elogio da Loucura de Erasmo, Thomas More critica os costumes, não no sentido de individualizar figuras, mas a de pedagogicamente aconselhar possibilidades. Se Erasmo colocou a loucura a denunciar a pobreza humana, Thomas More evidenciou no funcionamento das instituições as atitudes que importava analisar. 


Utopia de Thomas More é um livro, cuja publicação faz este ano quinhentos anos. Um livro que conduz ao valor do individual que nos continua a faltar. Thomas More acreditava na liberdade como ferramenta crítica de evolução social e política, mas desejava-a mais do que sabia ela ser possível. Mesmo tendo um lugar importante na corte de Henrique VIII, o arcebispo de Cantuária e lord chanceler do rei não escapou a um fim triste. Thomas More sentiu essa incapacidade de ver a sociedade do Renascimento a não ser mais do que o próprio Erasmo escrevera: "Os reis fazem a guerra, os padres zelam pelo aumento da sua fortuna, os teólogos inventam silogismos, os monges deambulam pelo mundo, os comuns causam desordens, Erasmo escreve colóquios."

Thomas More morreu em 6 de julho de 1535 num sinal de que o Renascimento também fazia perder homens nobres. Um século depois as características originais do Renascimento estavam amplamente distorcidos pelo dinheiro e poder dos homens ricos. O renascimento das cidades italianas foi como na Grécia do século V a.C a procura de uma glória em cada cidade, o orgulho cívico pela arte produzida. A liberdade e a evolução social foram outra coisa. A Renascença tinha implicado um progresso, mais no sentido das suas possibilidades, do que em faixas generalizadas da população. 

Luís Campos (Biblioteca)

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